sábado, 13 de janeiro de 2024

Domingo

Era um domingo gordo. Os rapazes Armando, o Tonho, o Cândido e o adulto Zé que não funcionava bem da cachimónia, foram guardar o gado para um baldio lá para os lados do Ourigo. Ao chegarem ao referido lugar o Zé alapou- se à beira dum rego de água que corria por ali. Tirou os sócos, estendeu- se e em pouco tempo já  roncava como um porco. Os outros rapazes começaram uma conversa sobre varios temas, mas as mentiras eram tantas que desistiram e foram jogar à chóca , jogo que eles faziam com maestria. Depois de umas três ou quatro horas, resolveram mandar a merenda para a pança. Acenderam o lume ali bem perto onde dormia o Zé. Tiraram das sacas as chouriças, um naco de presunto e bastante pão. O Zé continuava num sono profundo. Então, o Cândido, para o acordar,meteu- lhe uma brasa acesa debaixo dum pé  e o marmanjo despertou. Ficou furioso, desconfiou que foi o Cândido, que era mais conhecido como bispo, que fez tal maldade mas não disse nada. Calou- se. Todos de barriga cheia, ao bispo corria- lhe pelos cantos da boca a gordura do chamusco que haviam feito, o Zé mandou para barriga metade dum pão centeio e um palaio inteiro, mandou cá um peido que deixou todos os outros furiosos. O Cândido pegou um sarrafo e mandou uma cocada na cabeça do desgraçado que lhe abriu um lanho que mais parecia um corgo de sangue. O Armando, muito compadecido, acudiu ao infeliz . Lavou- lhe a cabeça no rego de água que corria ao lado, atou- lhe um lenço à cabeça pensando num curativo que aliviasse o pobre coitado. Curativo feito, o Armando repreendeu com veemência a atitude do bispo. Este não gostou e ripostou: atão tu não te lembras daquele dia que lhe ataste as mãos atrás das costas com um baraço, prendeste- lhe as  duas pernas com um bancelho, puseste- o a cavalo do burro e este mandou- se pelo caminho abaixo, ele caiu em cima duma “ laija “esmoucou a cachola, esfolou as pernas e os braços e tu disseste ao nosso pai que tinha sido eu? Lembras- te? Toma lá.
A noite aproximava- se e era chegada a hora do regresso a casa. Aqui chegados, o velho pai viu a maldade feita ao Zé e tirou satisfações. Logo o Armando entregou o bispo. O pai foi- se a ele e deu- lhe uma coça bem dada. Não satisfeito, o bispo virou- se para o pai e disse: pai, lembras- te daquele dia que lhe deste umas estadulhadas no lombo, bem ali no meio do lameiro, quebraste- lhe uma costela, caiu ao chão e continuavas a bater nele como quem batia numa pedra?  Mesmo assim ainda lhe puseste um molho de lenha às costas para levar até à Bila.! O Tonho, constrangido, pensou lá para com ele: depois deste tratamento admito que o Zé é mais rígido do que um penedo. E assim acabou aquele domingo gordo.

O Zé

José Nabais era mirrado, quase esquelético, tinha cabelo preto e olhos castanhos.Sapateiro de profissão, tanto fazia sócos, sandálias como botas.Só não fazia sapatos porque era outra arte.Cosia bem e cardeava melhor do que qualquer outro sapateiro da região.Era mais chegado a umas borgas do que ao trabalho que era pouco porque a aldeia onde vivia tinha pouca gente e de poucas posses. Mas, lá ia ganhando para o seu sustento e ainda sobrava para umas borguitas.Gostava da farra e uns copitos deixavam-no feliz. Aos vinte anos, a contra gosto de António, seu futuro sogro, começou a namorar Maria Alice, rapariga bonita, de boa família e bons atributos. Com algum tempo de namoro, o pai da rapariga era radicalmente contra essa união. Mas, não teve jeito. A coisa andou e o casamento estava cada vez mais próximo. Numa tarde de domingo, num encontro marcado no palheiro da família, Maria Alice não aguentou a libido e lá perdeu a donzeleria em cima de um molho de palha. Passado algum tempo marcaram o casamento a muito contra gosto de António. Foi uma festa simples.O padre Gregório os abençoou e ainda teve uns comes e bebes. Com oito messes de casados e já com a barriga estufada, esperava o primeiro filho, Maria Alice já tinha um cesto repleto de casaquinhos, chambres, calças,cuadas e outras coisas que lhe fariam falta para aninhar o rebento que chegaria em pouco tempo. O Zé Nabais lá ia fazendo alguma coisa para sustento seu e da famíla, sem nunca perder o hábito dos copos e da farra. Maria Alice, além dos afazeres domésticos, ainda tinha tempo de ser criada do padre da aldeia, homem baixo,  gordo,careca, atrevido e usava óculos com lentes tão grossas que pareciam fundos de garrafa.Um dia, resolveu tocá-la mas ela o repeliu com tanta força que ele bateu com a cabeça no lançador abrindo um lanho que mais parecia um corgo. Depois de mudar umas dez vezes de morada e já com quatro filhos, entregue à vida, aos copos e à desgraça, Zé Nabais abandonou a família e desapareceu. Passado algum tempo, desesperada, Maria Alice pediu abrigo ao seu tio Augusto, homem bom e justo. Este, acolheu-a naturalmente ao ver a desgraça da sua sobrinha querida, cheia de precisão e mãe de quatro filhos.Continuava Maria Alice a ser criada do padre e ajudava o tio na pouca lavoura que ainda tinha. João, de dez anos, filho de Alice, já era era criado de um lavrador abastado da aldeia para ajudar no sustento dos irmão mais novos. E assim foi por largo tempo. A certa altura apareceu Zé Nabais, arrependido e a dizer que tinha mudado, que a partir dali tudo seria diferente. queria voltar para sua família. O tio Augusto que ouvira a conversa foi logo dizendo: Vai embora trapalhão, bêbedo, traquina, irresponsável e o chamou de todos os nomes feios que lhe vieram à memória.Disse-lhe mais o tio Augusto: Alice agora é minha filha e os teus filhos são meus netos. Vai embora, some da nossa vida. Envergonhado e sem outra alternativa, Zé Nabais, virou-se e foi embora estarrecido. Chorava muito.Era o fim. No caminho da volta, ao passar perto duns camponeses que segavam a messe pediu um bancelho. Continuou a caminhada. De repente,fez um laço, pendurou-se numa carvalha e enforcou-se. Nunca uma morte por enforcamento demorou tão pouco. Quando chegou a notícia de tão triste ato, António, o pai de Alice, logo foi dizendo que já tinha ido tarde, o tio Augusto que não se perdeu nada, Alice choramingou e os filhos não mostraram compaixão. Só os amigos da farra e da bebedeira é que lamentaram o sucedido.

irmãos