sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Amaro da Purificação


Adrião era alto, cabelo louro e olhos azuis.Era sonho de consumo de moças casadoiras. Valente e respeitado em Agro Velho.Dono de terras que se estendiam do diabrete até à divisa de Donões, passando pela serra, diabrete, fonte do sapo,leiras compridas, poula da inferna, outeiro das barcas, moinho da cancela e só terminavam na raia com Donões. E se mais não teve é porque Amaro da Purificação, morador de Donões, também grande proprietário, a isso se opôs. Aliás, ambos, Adrião Coelho e Amaro da Purificação, travaram uma luta hercúlea pela posse duma morgada casadoira. Valeu neste embate a sentença salomónica da Maria das Neves, já amante de Adrião Coelho, para resolver o conflito. Solteiro por opção,mas amantes as tinha aos montes, em segredo. Filhos, se os tinha,nem ele sabia. Era ótimo patrão.Pagava bem e sempre em dia. Abençoava criados e criadas e matava a fome aos mais necessitados. A estas horas, todos em Agro Velho o consideravam santo, título que viria mais tarde, como depois veremos. Ambicioso, a patente de regedor não o contentava e em pouco tempo o seu povo o nomeou régulo da cidade. Já de meia idade mandou construir a sua morada no alto da serra para que ficasse bem visível e o seu povo nunca mais dele se esquecesse. Ele mesmo esculpiu a sua sepultura e outras deixou esculpidas para os seus mais queridos e assim perpetuar o seu nome. E assim é até hoje. Adrião Coelho sumiu mas as sepulturas de pedra ficaram.Passados alguns anos depois da sua morte, o seu povo resolveu pedir a sua beatificação. Numa viagem a Avignon, duas virgens paridas chorando lágrimas de arrependimento ,exigiram da papisa Joana a imediata beatificação de Adrião Coelho. As virgens, amantes que tinham sido de Adrião, logo entregaram a lista de milagres atribuídas áquele que em pouco tempo seria santificado. Quando a papisa viu que Adrião tinha transformado pedras em pão,água em vinho, seixos em batatas e urtigas em alfaces, Joana não teve dúvidas e o declarou novo santo. Ainda hoje e por ter sido um bom lavrador, é considerado o padroeiro dos agricultores naquela região.

Sacripanta da Cabreira

Por vontade própria, o Sacripanta da Cabreira, governava a ferro e fogo!

Candidato

Manuel Serapião era órfão. Filho de José e de Maria da Anunciação, falecidos num acidente aéreo nos Andes.Foi criado e educado pela tia Maria do Patrocínio, irmã de seu pai. Era um homem forte, grande e dono de um nariz adunco que lhe segurava os óculos de aros redondos e de lentes grossas que mais pareciam vidros verdes de garrafa de cachaça. Era dono também de antebraços colossais que impunham medo e respeito a seus opositores. Na política, filiou-se ao partido "Vanguarda" e logo disputou e venceu as eleições para prefeito da cidade Melgaro, situada no nordeste da Belíndia. Governou a ferro e fogo. Arranjou, como não podia deixar de ser,poucos amigos e inimigos aos montes.Depois de dois mandatos, Melgaro era um burgo pobre, sujo e miserável. Poucos habitantes tinham o suficiente para viver com dignidade. Havia, é claro, alguns nababos,. que por acaso eram íntimos do prefeito Manuel Serapião.Os poucos ricos eram donos de tudo. Aos pobres restava obediência.Empregos públicos eram entregues aos filhos ou parentes dos bajuladores do mandatário municipal.Os vereadores municipais, todos doutores, seguiam firmemente as diretrizes do prefeito. Era proibido dizer não. Geralmente, a cada inquisição de senhor prefeito, os nobres vereadores, uns com diploma tirado, outros com ele comprado, nunca davam uma resposta oral. O normal era o aceno com a cabeça.Eram todos doutores! Nas reuniões da Assembleia Municipal, a oposição era esculachada e defenestrada pelos deputados do regime ou pelo senhor Manuel Serapião.O senhor Prefeito nunca se esquecia de lembrar aos munícipes que fora eleito por maioria dos residentes e não residentes, embora se soubesse que os não residentes eram maioria. Estes, no dia das eleições, chegavam ao burgo para exercer o direito cívico do voto, de autocarro, de avião ou a cavalo.Assim, Manuel Serapião reinava absoluto. No entanto, o pequeno burgo definhava, empobrecia. O desânimo dos residentes já inquietava o prefeito. As saudações ao mandatário diminuiram, o descontentamento era geral.O terceiro mandato a que aspirava o senhor Manuel Serapião corria perigo. Um dilema apoderou-se na consciência do edil: devia ou não devia candidatar-se a um novo mandato? Candidatou- se e ganhou as eleições. A meio do terceiro mandato e cada vez mais metido em negociatas escusas, pôs termo à vida!

irmãos